Pela paz
Estudo inédito para prevenir a violência em Pelotas
Primeira Infância vira o alvo das ações desenvolvidas em parceria entre Prefeitura e Centro de Epidemiologia
Gabriel Huth -
Uma ação, inédita no Brasil, será desenvolvida em Pelotas. O objetivo: prevenir a violência. O alvo: crianças, dos zero aos seis anos de idade. E para colocar em prática o estudo Primeira Infância Acolhida (Piá), prefeitura e Centro de Estudos Epidemiológicos da Universidade Federal de Pelotas unem esforços. O plano está traçado: aplicar duas metodologias - Conte Comigo e Act; Criando Crianças Seguras -, observar o impacto das intervenções e, com base em evidências científicas, criar uma política pública que possa, de fato, investir nos pequenos para formação de uma nova sociedade.
O estudo Piá foi lançado na manhã desta terça-feira (3), no Salão Nobre, e desponta como mais um passo do eixo de prevenção social do Projeto Pelotas Pela Paz. E, ainda que os resultados venham a surgir a longo prazo, o clima foi de ânimo e, por vezes, de emoção durante a cerimônia. A razão? A certeza de que a política pública que irá advir do processo que se inicia agora estará alicerçada em análises científicas. E melhor: com o selo de qualidade do Centro de Epidemiologia, respeitado internacionalmente.
Ao se manifestar, o inglês Joseph Murray destacou a importância de um olhar voltado à Primeira Infância, para que as ações do Poder Público possam ser mais de prevenção do que de repressão. E fala com o peso de quem, como pesquisador, possui entre os temas de interesse a Violência, os Problemas de Conduta na Infância e a Criminologia.
Confira como vai funcionar
- 440 famílias, já acompanhadas pela Coorte 2015 - que inclui um total de 4.275 nascimentos -, irão participar do Piá.
- O grupo, definido por sorteio, será dividido em quatro subgrupos:
* 110 famílias receberão a metodologia Conte Comigo
* 110 famílias receberão a metodologia ACT, Criando Crianças Seguras
* 110 famílias contarão com as duas metodologias
* 110 famílias não contarão com nenhuma delas
- As equipes do Centro de Epidemiologia já começaram a realizar a primeira avaliação com as 440 famílias, para ter parâmetro de comparação após as intervenções. Para isso, questionários, filmes e testes psicológicos, biológicos, de linguagem e de emoções têm sido aplicados com as crianças e com os familiares.
- Para verificar o impacto das intervenções, os pesquisadores do Centro irão medir os efeitos também em 2019; cerca de seis meses depois da aplicação do Conte Comigo e do Act. É uma forma de identificar o tanto que as duas metodologias foram, realmente, absorvidas pelas famílias e geraram mudanças de comportamento - explica Joseph Murray. A intenção é de que um novo acompanhamento também ocorra aos seis anos de idade das crianças, em 2021.
- Profissionais das Escolas Municipais de Educação Infantil e do Programa Primeira Infância Melhor (PIM) irão participar ativamente do estudo Piá, ao se tornarem facilitadores para aplicação das metodologias. Para isso, já receberam formação, com apoio do Instituto Cidade Segura, de Porto Alegre.
As metodologias
- Conte Comigo: Ao longo de oito semanas, o trabalho utilizará livros de imagens para incentivar o desenvolvimento cognitivo e socioemocional da criançada. A ideia é de que os pequenos possam ser sujeitos ativos. O estímulo à imaginação e o compartilhamento de livros também são focos centrais. O objetivo é de que a intervenção melhore o relacionamento e o vínculo afetivo entre mãe e filho, aumente a sensibilidade das crianças e ainda contribua para o desempenho escolar.
- Act, Criando Crianças Seguras: Em nove semanas, pais e familiares também viram alvo central. Tudo para que ambientes estáveis e saudáveis prevaleçam; inclusive para combater situações como negligência e abusos. Temas como consequências da violência na vida das crianças, o entendimento e o controle da raiva e a relação entre as crianças e os meios eletrônicos de comunicação serão abordados, através da aplicação de técnicas.
* Aplicações pelo mundo: As duas metodologias têm sido adotadas ao redor do mundo. Países como Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e África do Sul são exemplos. No Brasil, a cidade de Ribeirão Preto, em São Paulo, já utilizou a metodologia Act. O Conte Comigo será aplicado pela primeira vez no país. Os resultados obtidos em Pelotas, portanto, tendem a servir de referência nacional.
O que eles disseram
- Paula Mascarenhas: Ao destacar o sonho de uma Pelotas melhor e lamentar a precariedade do sistema prisional, que "destrói pessoas", a prefeita defendeu que o lançamento do estudo Piá seria a ação mais impactante das muitas já lançadas ao longo da história, no Salão Nobre. "Desse trabalho experimental irá nascer uma política pública de prevenção à violência. Queremos muito transformar e preservar vidas".
- Pedro Curi Hallal: Como profissional da área de Saúde Pública e pesquisador da Epidemio, o reitor da UFPel enfatizou a importância dos investimentos na Primeira Infância e lembrou que as principais pautas para o desenvolvimento de Pelotas devem também entrar na agenda da universidade. "Se existe um problema grande na cidade, e a violência é um deles, a UFPel não pode deixar de participar".
- Marcelo Cabral: O responsável pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) também lembrou a importância de se romper com os ciclos de violência e de intolerância e enfatizou o fato da sustentação científica do trabalho. "Criaremos uma corrente mais sólida, com evidências medidas por um órgão absolutamente autônomo e não com resultados mostrados pelo governo", afirmou o juiz. E, por mais de uma vez, aproveitou o gancho das comemorações de aniversário do Município, para reiterar: "Pelotas é tudo para mim".
- Luciara Robe: A promotora da Infância e da Juventude também reforçou a necessidade de investimentos na base, ainda que os resultados sejam a longo prazo. "Esta será a única forma de mudarmos a realidade. Este estudo não busca uma solução imediatista, como quem defende a tolerância zero e que se coloque todo mundo na cadeia". Ao se referir ao papel da rede de proteção, Luciara embargou a voz e fez apelo para a sociedade denunciar os casos de violência.
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